sábado, 16 de abril de 2022

(Artigo de Reflexão) metanoîen | μετάνοια | metanoia

Etimologicamente, metanoîen, do grego, forma-se da união de metá (μετά), exprimindo “além”, e noeō (νόος), significando "pensamento" ou "intelecto". Literalmente, teremos “além do pensamento” como definição. A partir daqui a palavra assume um leque de significados, todavia, sempre redutíveis à base etimológica e à tónica de “mudança” ou “transformação”. E que mudança ou transformação é essa? Tradicionalmente, configuramos o termo metanoia no âmbito da Psicologia e da Teologia.

Dentro do enquadramento psicológico, veiculada pela aprendizagem, metanoia enforma um processo de reforma profunda no aparelho psíquico humano: cognição, emoção e personalidade. Portanto, supõe uma mudança estável ou dramática na forma de pensar, sentir e na estruturação do auto-conceito. Esta qualidade da mudança, suave ou abrupta, é relevante porque diferencia abordagens. No legado de William James, por exemplo, metanoia cunha uma modificação basilar e controlada no rumo de vida do sujeito. Já a herança de C. G. Jung é distinta, usando o mesmo termo para se referir a uma tarnsformação de grande intensidade. Neste sentido, impelida por forças inconscientes, metanoîen ocorre espontaneamente enquanto tentativa de auto-cura ou reparação. Semelhante à passagem do estado de crisálida a borboleta, via metanoia a pessoa morre para uma condição doentia, desadaptada, renascendo para uma nova visão do mundo a partir de um renovado si. Isto pode acontecer com grande dramatismo, como é o caso de surtos psicóticos, em que há uma libertação vulcânica dos materiais psicológica e existencialmente tóxicos, a chamada “sombra”. Por esta razão, Jung entre outros, apelam para a importância de não se interromper ou suprimir este tipo de erupções, pois serão essenciais à realização da metanoia.

À luz da Teologia, metanoia associa-se a termos como arrependimento, penitência, expiação, reparação, conversão e reformulação. Há aceitação generalizada da ideia de uma transmutação que ocorre a partir do coração, onde reside o “verdadeiro” poder. Portanto, uma metamorfose intrínseca consubstanciada no carácter e comportamento, resultante de arrependimento ou conversão espiritual. Aqui, arrependimento e conversão, como ensina o Prof. Paulo Borges, devem ser clarificados. O arrependimento não terá a ver com o pecado e sentimento de culpa, no sentido da adulterada cultura de culpa judaico-cristã, nem a conversão fala de uma mudança institucional do credo religioso ao qual aderimos. Ao invés, é um processo muito mais profundo, que abalando o sujeito ao nível das suas fundações, o “destrói”, de maneira a poder renascer reestruturado. Devemos entender o “arrependei-vos” como um voltar-se ao contrário, um inverter da tendência dominante. Ou seja, se a pessoa está orientada para fora, tem que voltar-se para o interior, de maneira a fomentar a transfiguração mental, emocional e, ultimamente, espiritual, sendo isto a propalada conversão.

Por junto, a metanoîen implica uma morte interior, um corte cerce com o passado, sem saber o que vem a seguir, inobstante o pavor que isso possa causar. Pode ser “provocada”, porém usualmente ocorre, impelida pela necessidade ou urgência de mudança que o sujeito sente, inconscientemente. Vários rituais, do Xamanismo ao Yoga, da religião à contemplação, directa ou indirectamente, assentam frequentemente neste processo transformativo de erradicação do antigo para dar lugar ao novo, compatível com a continuação do caminho. Como a cobra ou o escorpião que operam a muda de pele, para prosseguir com o seu crescimento, a metanoia presume a aceitação de um estado de total vulnerabilidade, bem como a vivência da dor, inerentes ao estado de crisálida que precede a eclosão do “novo” ser.

Como numa figura de M. C. Escher, mergulhando-se nas águas escuras do desconhecido, emerge-se a um outro lado da tona, luzidio, clarificado.

 

Joel Machado

 

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