quarta-feira, 6 de abril de 2022

(Artigo de Reflexão) māyā | माया | ilusão

Hinduísmo, Jainismo e Budismo definem, māyā, do sânscrito, literalmente como “ilusão” ou “magia”. Apesar de a etimologia ser por vezes considerada elusiva, e do significado final oscilar consideravelmente de acordo com a Filosofia ou Escola de Pensamento, a ideia geral pode-se abalizar com alguma consistência.

Assim, māyā ilustra uma espécie de véu que impede a apreensão da realidade tal como ela é, da sua “verdadeira” natureza. Traduz tudo o que está em constante mutação e que, apesar de parecer real, em essência não é. Usando um expediente advaitavedântico, é o equívoco que leva a acreditar na dualidade mundana. Alegoricamente māyā é descrita como um espéctaculo de magia, uma peça de teatro, uma ilusão que nos é apresentada como verídica, porém, sendo destituída de verdade intrínseca. Extrapolando, somos uma espécie de expectador-participante nessa encenação, portanto, sujeitos às suas regras, para o melhor e para o pior. Sair da esfera de influência de māyā, eventualmente, implica abdicar de participar na peça, logo, renunciar ao papel ou papéis assumidos. Aqui reside também a imagem associada ao retirar da máscara grega, feliz ou infeliz. Sob o domínio da peça orquestrada por māyā, a encenadora cósmica, oscilamos entre uma máscara e outra, mas nunca somos quem realmente Somos, a Consciência por detrás da própria Ilusão! Deixar cair as máscaras é deixar cair as entidades egóicas que conscientemente vestimos ou, a um nível mais profundo de ilusão, se apoderarem de nós, vestindo-nos à nossa revelia!

É a miragem de māyā quem dita as regras do imbricado de interacções, do mais subtil ao mais grosseiro, a perpetuação do karma, consubstanciado em renascimento ou ciclo de existência. Por isso, esta recebe também a denominação de Jogo Cósmico, entrando aqui, frequentemente, a associação com outro conceito que exerce grande atracção sobre praticantes de Yoga e curiosos: līlā, a peça divina. Sob um ponto de vista, o movimento contínuo de māyā é līlā, daí que seja frequentemente representada como uma dança ou uma divindade bailante.

Por alguma razão o conceito māyā tem reverberado bastante no Ocidente, desde que Yoga, Budismo e parte do Pensamento Oriental chegaram à diáspora. O fascínio foi tão longe que cativou a própria cultura pop, sendo o exemplo paradigmático a trilogia cinematográfica Matrix, Matrix Reload e Matrix Revolution, onde as noções de Ilusão e processo de libertação das malhas da Ilusão são narrativizadas. Seja como for, a ideia de uma ilusão que forma um véu que separa a tomada de contacto com a Relidade Suprema, propriamente dita, não é uma construção puramente Oriental. Mais culturas e tradições espirituais têm narrado isso nos seus mitos e agendas soteriológicas. Um de entre vários exemplos é a da concepção de Sonho do Planeta, oriundo da sabedoria Tolteca, ameríndia mexicana. Escolhemos este, pela simplicidade com que é narrado por Dom Miguel Ruiz em Os Quatro Acordos, de resto um livro ao qual valerá a pena dedicar o tempo necessário. O Sonho do Planeta é o estado onírico em que a Humanidade vive, e que faz com que individual e colectivamente, as pessoas vivam sob a batuta de uma rede de condicionamentos, retroalimentados, da qual pouca ou nenhuma consciência possuem. Portanto, símile a māyā. Há também uma “promessa” de evasão dessa rede que aprisiona. Para tal, o sujeito deve tomar consciência da existência do sonho; aceitar (ou “perdoar”) as consequências inevitáveis de se viver sobre a batuta dos sonhos; a partir daí, tentar sair do Sonho agindo mediante uma conduta ética, disciplinada e meditativa, que implica no mínimo a atenuação da preeminência do ego.

Seja na Ilusão ou na Fantasia Onírica, só se “dança” ou “sonha” consoante as regras da Encenadora ou da Oniromante. Sair conscientemente dessa hipnose, ora eufórica, ora deprimida, abraçando um desconhecido que se julga saber o que é, será o fim soteriológico.

 

Joel Machado

 


 

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