segunda-feira, 4 de abril de 2022

(Artigo de Opinião) Yogāsana e o uso de Suportes

A prática moderna de yogāsana, posturas físicas com fim meditativo, pouco ou nada tem a ver com o modo como se processava há meio século, para não ir mais longe. Vários factos contribuíram para tão rápida e significativa mudança. Vamos observar um deles: a implementação e uso de suportes, os propalados props, em inglês.

Hoje em dia a lista de suportes que podemos utilizar na prática de yogāsana é quase “um horizonte a perder de vista”. Se os formos nomear, até podem ser organizados em categorias: blocos, placas, quartos e espias; cintos, bandas elásticas, cordas; cadeiras e bancos; suspensores pélvicos; cordas-de-parede, cavaletes e espaldares; entre outros, como por exemplo os suportes multifacetados que são desenhados de maneira a apoiar a execução de posturas de praticamente todos os blocos.

Os suportes não foram inventados por B.K.S. Iyengar, contrariando a ideia frequentemente veiculada pelo folclore vigente do Yoga Global. Foram, sim, pelo mesmo, elevados a um patamar distinto, no que concerne à sua construção e aplicação. De resto, o próprio B.K.S. Iyengar, contam relatos apócrifos, tantas vezes fantasiosos, terá sido questionado pelas autoridades mais conservadoras de então, quanto à utilização de props. Face a isso, terá argumentado que os yogin-s da antiguidade já usam suportes, na sua prática primitiva. A ter sucedido é uma resposta que tem tanto de precisa como de imprecisa e tudo de oportuna! Com efeito, o vagguli-vata (Penitência do Morcego) era um acto de mortificação em que o asceta se pendurava, atado pelos pés com uma espécie de lenço ou corda, num ramo de árvore. No entanto, não é de maneira alguma seguro que isto também fosse feito com fins claros de prática de Yoga, pelo contrário. Mais tarde, bem mais próximo ao contexto da prática Yoga, sobretudo em ambientes Tântricos, fala-se de um acessório às posturas sentadas, o yogapaṭṭa. Este seria um pano, lençol ou cinto que, firmemente enrolado ao redor de pernas e ancas, garantiria um “confortável” e correcta tracção da coluna. Os props primitivos existiram, então, ou como acessório de mortificação ou como ajuda para manter a postura sentada mais estável. Daí uma coisa é certa, B.K.S. Iyengar e outros partiram desse precedente para desenvolver toda uma tecnologia auxiliar à prática do Yoga que, parece-nos, veio para ficar, e ainda bem!

Actualmente, os suportes são a garantia de que podemos ir introduzindo gradualmente a postura ao corpo do aluno, respeitando a sua unicidade. Por exemplo, Adho Mukha Śvānāsana, (Postura do cão), é tida como inócua para alguns, mas apresentada “a frio” tem um potencial de lesão considerável, sobretudo nos ombros e pulsos; de blocos a cordas-em-parede, usar props garante simultaneamente colher os frutos da postura no imediato e evoluir até ao ponto da sua estabilização. E que ponto de ponto de estabilização é esse? O ponto em que o corpo individual e a āsana se harmonizam. A permanência numa postura-invertida-suspensa será mais adequada que numa invertida-sem-suporte, quase sempre, diríamos. Vejamos os problemas que posturas como Śīrṣāsana (Cabeça-ao-chão) ou Sarvāngāsana (Invertida-sobre-os-ombros) trazem. São āsana-s que devem ser aprendidas faseadamente, na juventude, que provavelmente de nada servem aos que começam yogāsana depois dos vintes e trintas. Até os praticantes mais experientes acumulam lesões homéricas, ao nível de discos cervicais, a longo prazo, pois implicam elevados graus de preparação física e concentração. Por junto, é altamente aconselhável o uso de suportes em vários grupos: alunos iniciantes; gestantes; pacientes em recuperação de lesões e traumas; praticantes com necessidades especiais; seniores; entre outros. Ademais, até o praticante proficiente, pode num determinado momento sentir-se mais consciente a permanecer em determinada āsana com o apoio de suportes.

Qual será a atitude ideal do praticante perante o uso de props? Eventualmente, aquela que deve ser o próprio de qualquer yogin: pragmatismo e desapego. Se é necessário usa-se, senão, enjeita-se! Analogamente, não ficar “viciado” aos mesmos, tampouco, rejeitá-los acriticamente por tê-los como anti “esforço” ou anti-yoga.

E que atitude esperar do Yoga, colectiva ou institucionalmente, quanto a suportes? Primeiro, talvez devemos ser positivamente críticos. Tomar atenção aos nichos de mercado que se criam vendendo frivolidades inúteis e, a custa disso, gerar a crença de que determinados utensílios são necessários, quando não é verdade. Ter também e atenção que vivemos um período de crise ambiental e que é importante consumir o mínimo possível e ter o cuidado de não fomentar políticas de desperdício. Os materiais de alguns props, que de amigos do ambiente nada têm, deveriam ser um factor de eliminatório na selecção do que realmente precisamos. Aqui não deixa de ser curioso que a esmagadora das empresas vedem os props “amigos do ambiente”, pelo dobro, triplo ou quádruplo do preço, o que é questionável em termos de Yoga. Finalmente, mais importante que lucrar financeiramente com os props seria conduzir estudos de motricidade e ergonomia. Infelizmente, a academia ainda continua algo avessa ao Yoga, nas suas várias formas. Por outro lado, não estará o Yoga, principalmente quem com ele lucra, virado de costas ao escrutínio científico que a academia poderia trazer?

 

Joel Machado

 

(Prática de yogāsana suportada | Foto/Créditos: Joel Machado)

 

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