sexta-feira, 15 de abril de 2022

(Artigo de Opinião) Yoga Contemplativo versus yoga entretenimento

Olhando para o cenário actual do Yoga, teoria, prática e difusão global, diríamos que há uma dicotomia entre o que, circunstancialmente, vamos denominar “Yoga contemplativo” e “yoga entretenimento”. O primeiro corresponde à Ciência Contemplativa, propriamente dita que inobstante a diversidade de interpretações e vestes culturais que assuma, visa sempre o mesmo: a emancipação da total identificação com o ego, o fim soteriológico, a Libertação. O segundo corresponderá àquilo que vulgarmente nos habituámos a identificar como sendo yoga recreativo, um mero entretenimento, como jogar futebol ou apanhar ondas, entre outros.

O Yoga Contemplativo propõe que, perante a vida, passemos de uma postura egocentrada para outra ecoalargada. Portanto, que pela aplicação da via do conhecimento e sabedoria, reconheçamos a natureza interdependente do mundo fenomenológico em que vogamos. Aceitando a subjectividade, sem rebuços, o Yoga Contemplativo tem igualmente um leque de aspectos puramente objectivos, da teoria à prática.

O yoga entretenimento estará destituído de densidade espiritual. Frequentemente, não passa de um mero exercício físico. Esta ideia ficará consubstanciado na prática massiva de yogāsana, as celebres posturas isométricas e calisténicos, num contexto dissociado da sua origem sem foco meditativo. É igualmente comum consistir este yoga numa forma de escapismo psicológico que, fundamentalmente, alimenta aquilo que se pretende transcender, a identificação com o ego. De facto, o praticante de yoga entretenimento, em demasiados casos simplesmente troca de máscara. Deixa de vestir o papel de engenheiro saturado ou advogada contrariada, para envergar a visagem do yogin, com a tão em voga “atitude zen”. Alimenta-se aquela ilusão recorrente de “só estou bem no estúdio!” ou “é no tapete que liberto tudo”. Com efeito, por assentar em alguns desvios, o yoga entretenimento alimenta desvios, uma sucessão natural. Não é raro assentar na moralidade em detrimento da racionalidade ética, gerando-se fenómenos de hipocrisia e farisaísmo. “Abre o coração”, a banalização do toque físico num carrossel de “abracinhos e beijinhos”, a fixação com o “acto de perdoar” e a superlatividade assumida em relação aos que “estão abaixo por não praticarem yoga”. Os exemplos pululam…

De onde terá emergido o yoga entretenimento? Terão contribuído vários factores, vamos destacar dois: a sociedade globalizada de consumo e a profissionalização do Yoga. Quanto ao primeiro ponto, por exemplo, o imediatismo é antagonista da impreterível necessidade de tempo e espaço que a contemplação pede. Talvez se alimente disto o fascínio descabido pela prática de yogāsana. Será mais apelativo executar uma série de posturas físicas, reforçando a famigerada auto-estima, do que meditar ou praticar exercícios de respiração “enfadonhos”. Até porque tendendo nós ao individualismo, tudo o que for predominante e intensamente físico vai ser melhor aceite pelo ego. Ironicamente, se praticados com uma atitude meditativa, futebol e surf podem ser actividades mais contemplativas do que inúmeras variantes de yoga recretivo. Indo mais longe, que cabimento teria ensinar Ética numa aula de yoga em contexto de ginásio? Quanto ao segundo ponto, a profissionalização do Yoga trouxe dilemas deontológicos de árdua resolução, redefinindo-o. O primado competitivo e o afã pelo lucro não se compadecem com o apelo à abnegação contemplativa. Se um profissional depende de yoga para sobreviver, então vai ter que agir de acordo com as leis do mercado. Quando um professor faz infiltrações anti-inflamatórias para praticar lesionado, de modo a conservar aparência e alunos, não parece escárnio ou opinioso dizer que, nesse particular, deixou de ser um praticante de Yoga. Também aqui se abordou a gota no oceano…

Em suma, o yoga entretenimento pode ser um mero “desporto”, residindo aí a sua dose de legitimidade. Pior, pode tornar-se um analgésico: dói a cabeça, toma-se aspirina, analogamente, dói a alma, executa-se uma sequência de posturas físicas sob a crença que isso, per se, funciona como “aspirina espiritual”. O “fácil” não existe na senda meditativa, “o barato sai caro”, imagens que ilustram o quão sensível ou discutível será a adaptação do Yoga ao mercado. Talvez o lógico fosse o oposto: sociedade e mercados reformularem-se partindo, entre outros, de alguns dos pressupostos do Yoga.


Joel Machado


(Surfando na Zambujeira do Mar | Foto de Zé Miguel Silva)

 

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